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Notícia » 22/11/2021

Na construção das bases para um mundo melhor, é essencial que se estabeleçam políticas reais de combate à desigualdade e à concentração da renda.

Exatamente no dia 15/02/2019, publiquei no site da Tecnologística, artigo com o seguinte título: “Executivos precisam entender que suas ações impactam a vida de milhares de pessoas. Compreenderem e capacitarem-se para esse novo papel são exigências mínimas”. Mais recentemente, dia 02 pp, aqui mesmo neste Portal, publiquei outro artigo: “Eficácia nas atividades logísticas e foco no ser humano ajudam na redução das incertezas logísticas e empresariais atuais”. Ambos artigos procuravam alertar os novos dirigentes, cada vez mais envolvidos com o avanço tecnológico (sempre necessário e desejável), sobre a necessidade de se compreender “o quanto é grandioso trabalhar para o sucesso – mais do que isso, para a sobrevivência - de seus subordinados, seus familiares, suas empresas e seus países”.

E concluí, sem qualquer dúvida, que “entender os reais impactos de nossas ações junto à toda a sociedade, e não somente junto às nossas empresas, é essencial, pois ao final de tudo, de um jeito ou de outro, essas ações irão impactar – para o bem ou para o mal - a vida de milhões de pessoas”.

Em palestra realizada aqui no Brasil já há dois ou três anos, (“Evolução da Transformação Digital do Supply Chain”), o professor e Phd Dale Rogers, da Universidade do Arizona / EUA, assim que fez comentários pertinentes a respeito dos impactos transformadores da tecnologia, do “machine learning”, da “artificial intelligence” ou da “cognitive computing”, discorreu a respeito de algumas consequências que, infelizmente, vem se confirmando em todo o mundo nos últimos 20 ou 30 anos. Segundo o professor Dale, proveniente dos avanços tecnológicos e de melhorias dos processos de produção, a diminuição no número de empregos de menor qualificação, tem sido significativamente maior do que o aumento no número de empregos de maior qualificação. Ou seja, o processo de avanço tecnológico, diferentemente de outras épocas, tem contribuido para a efetiva diminuição do número de empregos.

De fato, a digitalização por si só e o avanço tecnológico, de uma forma geral, tem exigido aperfeiçoamento, aprendizado e capacitação constantes, priviligiando claramente as pessoas melhores formadas que, como se sabe, pertencem quase que exclusivamente às classes mais ricas. Consequência imediata, faltam empregos para as pessoas menos preparadas, quase sempre pertencentes às classes mais pobres.

Por outro lado, e também parece não haver dúvidas quanto a isso, à medida em que a produção de bens econômicos e a prestação de serviços tem maiores partipações do capital e da mão-de-obra qualificada, quase toda a remuneração correspondente tende, de forma crescente inclusive, a privilegiar esses dois fatores de produção. Obviamente em detrimento dos demais.

Vale aqui, lembrar o que escreveu em seu livro - “O Capital do Século XXI” -, já em 2013, o economista francês Thomas Piketty: “o crescimento econômico e a difusão do conhecimento ao longo do século XX impediram que se concretizasse o cenário apocalíptico preconizado por Karl Marx, mas, ao contrário do que o otimismo dominante após a Segunda Guerra Mundial costumava sugerir, a estrutura básica do capital e da desigualdade permaneceu relativamente inalterada” (grifos meus), traduzindo-se “numa concentração cada vez maior da riqueza, um círculo vicioso da desigualdade que, a um nível extremo, pode levar a um descontetamento geral e até ameçar os valores democráticos”. Piketty, entre outras, fez duas observações não menos importantes e que devem nos levar a refletir: 1ª. “a evolução dinâmica de uma economia de mercado e de propriedade privada, deixada à sua própria sorte, contém forças de convergência importantes, ligadas sobretudo à difusão do conhecimento e das qualificações, mas também forças de divergências vigorosas e potencialmente ameaçadoras para nossas sociedades democráticas e para os valores de justiça social sobre os quais elas se fundam”, e 2ª. “se deve sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos” (grifos meus).

Em um processo inexorável e persistente, no qual as tarefas mecânicas, rotineiras ou que via avanço tecnológico, vão sendo substituídas pelas “maquinas”, expulsa-se do mercado de trabalho a mão-de-obra menos qualificada e são reforçadas as características de um tipo de “desemprego estrutural” cujos impactos são cada vez mais negativos, nos quais se inclui o aumento da concentração de renda e da desigualdade. Lamentavelmente, constata-se a expansão desse fenômeno em todo o mundo, com reais condições de continuidade, caso ele não sejá compreendido de forma abrangente e correta.

Pesquisas da McKinsey, por exemplo (“Nossas futuras vidas e meios de subsistência”, publicadas em artigo dia 26.10.21), relacionadas a oito países desenvolvidos e emergentes, estimam que até o ano de 2030, mais de cem milhões de pessoas precisarão realizar transições ocupacionais. A pergunta é inevitável: “Como requalificar e reempregar dezenas de milhões de pessoas que atualmente exercem funções “estagnadas ou encolhendo como resultado da mudança tecnológica, incluindo os muitos milhões que provavelmente serão deslocados pelas transições de energia?”

A Diretora-Geral do FMI, Christine Lagarde, em entrevista concedida ao jornal Valor, em junho de 2019, (“Políticas para combater a Desigualdade”) afirmou: “o crescimento inclusivo é um dos maiores desafios do nosso tempo”, pois “o lado amargo da nova realidade é que, apesar do crescimento econômico, um número excessivo de pessoas está ficando para trás”. Analisados as economias mais avançadas, constatou-se uma clara tendência, desde 1990 e até agora, de aumento da desigualdade. “Mas se olharmos para as economias emergentes e em desenvolvimento, o quadro é mais complexo”.

Relatórios de Desigualdade Global, produzidos pela Escola de Economia de Paris, tem indicado que a população 1% mais rica, em média, se apropria de 30% dos rendimentos brutos globais, enquanto a população 50% mais pobre não alcança 14%. A pandemia, infelizmente, tem agravado esse problema e a concentração de renda tem aumentado, conforme demonstram os índices Gini dos últimos anos.

Portanto, um dos maiores problemas do mundo atual, com impactos sociais graves é o aumento da concentração da renda e da desigualdade em escala mundial, mais notadamente nos países emergentes, como é o caso do Brasil. Como ficou demonstrado na pandemia, os paíse mais ricos, através de distribuição direta da renda, de crédito ou de subsídios, conseguiram proteger melhor suas populações, ao contrário dos países pobres.

Revoluções tecnológicas, pandemias, crises e aquecimento global, por exemplo, são eventos que, por si só, causam rupturas diversas e profundas na sociedade. Mas quando várias delas atuam ao mesmo tempo, como parece estar ocorrendo no mundo atual, os impactos são inimagináveis, sem precedentes e muito mais profundos, afetando o mundo com maior velocidade.

Porém, como já disse a ex-presidente da Irlanda e atual Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Mary Robinson, em entrevista para a jornalista Daniela Chiaretti (Jornal Valor em 26.10.21), “a pandemia tem sido devastadora e está exacerbando todas as desigualdades”, mas “há lições que aprender”, e uma delas é que “o comportamento humano coletivo pode fazer a diferença”. De fato!

Óbvio que as expectativas das pessoas também mudam rápida e radicalmente, exigindo providências e políticas diferentes que, inevitavelmente, deverão contemplar maiores graus de inclusão social, de forma a atender as necessidades mais básicas das famílias mais pobres e vulneráveis. Aliás, falar que a inclusão social deve ser um dos principais objetivos da humanidade não é novidade. Juntamente com a sustentabilidade e o crescimento econômico, esses parecem ser os três objetivos fundamentais e essenciais a serem alcançados, caso o mundo queira construir as bases para um futuro melhor e em paz.

E se como diz o professor Paul Collier, da Universidade de Oxford, em seu livro “O futuro do capitalismo” (“um livro ambicioso, que faz pensar”, segundo Bill Gates), o processo de concentração de renda, generalisado em quase todo o mundo, não é inerente ao capitalismo, mas sim a uma “falha de funcionamento que pode e deve ser corrigida”, é chegado o momento de se iniciar a correção, adotando-se medidas que tenham, de fato, o bem-estar do ser humano como objetivo principal. Já não é sem tempo!

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